O Governo angolano anunciou a instituição do Sistema de Alerta de Rapto de Menores (SARM), para reforçar o combate aos crimes contra crianças em Angola, nomeadamente rapto e tráfico, recorrendo por exemplo a informação nas redes sociais. O maior crime contra crianças é cometido pelo próprio regime (somos o país com o maior índice mundial de mortalidade infantil), mas essa é outra história.
O projecto de criação do SARM foi analisado na terça-feira, em Luanda, durante a reunião ordinária da comissão para a política social do Conselho de Ministros, numa proposta do Ministério da Reinserção Social.
“É um mecanismo que deverá ser alertado a nível das redes sociais, a nível da comunicação das autoridades locais e mobilizar toda a sociedade, todas as pessoas. Quando se acciona esse mecanismo de alerta, toda a gente sabe, está informada, deve usar todos os mecanismos para denunciar o desaparecimento de uma criança”, disse o ministro da Reinserção Social, Gonçalves Muanduma, em declarações aos jornalistas no final da reunião.
De acordo com informação transmitida também no final desta reunião, orientada pelo vice-Presidente da República, Manuel Vicente, o SARM é um diploma que vai regular a recolha junto da população de “informações susceptíveis” que possam “ajudar as autoridades de investigação criminal a que mais facilmente localizem e libertem um menor após o seu rapto”.
Páginas de internet, linhas telefónicas de apoio, comunicação social e redes sociais serão formas de agilizar a recolha e participação de informação às autoridades policiais, em caso de alerta de rapto.
Por outras palavras, o regime propõe-se tapar o sol com uma peneira, estando-se mais uma vez nas tintas para a eficiência de um sistema que deveria ser vocacionado para um país que tem 20 milhões de pobres e que, isso sim, precisava de alerta para o que é prioritário: comida, saúde, medicamentos, emprego, casa etc..
“Este sistema constitui um mecanismo de reforço dos meios de combate aos crimes contra crianças, especialmente o rapto, o tráfico de menores e outras formas de violência contra a criança”, refere o comunicado final da reunião do Conselho de Ministros, mas sem adiantar mais pormenores sobre o novo sistema.
O rapto de menores, sobretudo para trabalho clandestino em países vizinhos, é um problema reconhecido pelas autoridades angolanas. Já a mortalidade infantil, a fome, as doenças não são um problema reconhecido por essas mesmas autoridades.
E por falar em crianças
Uma em cada seis crianças angolanas morre antes de completar cinco anos. Os dados da Unicef. O dono do país, José Eduardo dos Santos, e o sipaio que escolheu para ocupar o seu lugar (João “Malandro” Lourenço) sorriem e a comunidade internacional aplaude-os.
Angola é um país repleto de petróleo, diamantes e milionários que conduzem Porsches e onde as crianças morrem à fome. Tudo normal, portanto.
Para além dos números preocupantes relativos à mortalidade infantil, os dados indicam ainda que mais de um quarto das crianças está fisicamente afectado pela subnutrição e que os casos de morte materna durante o parto são de 1 em 35.
A taxa de mortalidade das crianças até aos 5 anos de idade é um indicador do bem-estar infantil e calcula a probabilidade de morrer entre o nascimento e os 5 anos, expresso por cada 1000 nascimentos vivos. Segundo a Unicef, Angola registou um valor de 164 crianças – um número apenas ultrapassado pela Serra Leoa, que ocupa o 1º lugar da tabela com uma taxa de mortalidade de 182 crianças.
As Nações Unidas pretendem, com a publicação deste tipo de estatísticas, oferecer um retrato detalhado das circunstâncias das crianças em todo o mundo. Em teoria, a Unicef pretende proporcionar aos governos factos sobre os quais se possam basear nas suas tomadas de decisões que ajudem a melhorar a vida das crianças
Angola é um dos países menos desenvolvidos em todo o mundo, num conjunto de países assim classificados pelo Escritório do Alto Representante das Nações Unidas para os Países Menos Desenvolvidos, Países em Desenvolvimento Sem Litoral e Pequenos Estados Insulares em Desenvolvimento (UNOHRLLS).
As fontes para os valores apresentados sobre esta taxa de mortalidade surgem de um grupo formado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a Organização Mundial da Saúde (OMS), o Departamento de Assuntos Económicos e Sociais das Nações Unidas (UNDESA) e o Banco Mundial.
Vejamos o que disse o Presidente da República de Angola, não eleito nominalmente e no poder desde 1979 , José Eduardo dos Santos, por ocasião do 1 de Junho de 2011, Dia Internacional da Criança.
Na mensagem do ditador dono disto tudo lia-se: “Hoje, Dia Internacional da Criança, queremos saudar as crianças do nosso país e do mundo, fazendo votos para que lhes seja prestada uma atenção cada vez mais activa e empenhada na resolução dos seus múltiplos problemas”.
Crianças, farelo e cães
Eduardo dos Santos, tal como faz com os adultos que o não idolatram, enxovalha desde logo 45% das crianças angolanas que sofrem de má nutrição crónica, gozando com a chipala faminta de 25% delas (uma em cada quatro) que morrem antes de atingir os cinco anos de idade, bem como com as que são geradas com fome, nascem com fome e morrem pouco depois… com fome.
Angola é, aliás, o país lusófono com a maior taxa estimada de mortalidade de menores de cinco anos (167 mortes em cada mil crianças nascidas vivas) e aquele em que foi menor a taxa de redução anual entre 1990 e 2013. Em 2013 Angola ocupava a segunda posição mundial na mesma tabela com 164 mortes. Num ano regredimos três posições. É certamente um motivo de orgulho para o regime e para os seus líderes, ou não?
Na mensagem, o ditador dono disto tudo (chamem-lhe regime, monarquia ou república) dizia que “cabe nesta hora reiterar os compromissos em relação à criança já assumidos pelo nosso Governo, em colaboração com o Sistema das Nações Unidas e com outros parceiros sociais, no sentido de lhe garantir uma maior esperança de vida ao nascer”.
Como se não bastasse às crianças (às que não são da casta de Eduardo dos Santos) passarem pelo que passam, ainda têm de suportar um presidente que finge estar preocupado mas que, de facto, nada faz para resolver as suas carências, muitas delas maiores do que as que se verificavam no tempo colonial.
Eduardo dos Santos tem, aliás, a lata de dizer que essa garantia, para além do registo de nascimento e da educação na primeira infância, envolve também a segurança alimentar nutricional, os cuidados médicos primários, a prevenção e o combate contra a violência, a criação de espaços lúdicos, a protecção social, o respeito pelos seus direitos e o reforço das competências familiares.
“Julgamos que deste modo estaremos a criar as condições para que as nossas crianças cresçam saudáveis e tenham desde muito cedo à sua disposição tudo o que merecem, pois são elas que constituem o futuro e que vão prosseguir os nossos actuais esforços para transformar Angola num país próspero, moderno e democrático, onde o bem-estar de cada um se reflicta no bem-estar geral”, realçou (em 2011) o “querido líder”.
Na verdade, quem melhor reflectiu a situação angolana foi Kundi Paihama, ilustre alto dignitário do regime e empresário milionário, quando disse: “durmo bem, como bem e o que restar no meu prato dou aos meus cães e não aos pobres”.
Esta é, aliás, a filosofia basilar do MPLA. O que sobra não vai para os pobres, vai para os coitados dos cães.
E por que não vai para os pobres?, perguntam vocês, nós também, tal como os milhões que todos os dias passam fome. Não vai porque não há pobres em Angola. E se não há pobres, mas há cães…
Kundi Paihama, dando voz ao sentimento reinante no regime, explicou: “Eu semanalmente mando um avião para as minhas fazendas buscar duas cabeças de gado; uma para mim e filhos e outra para os cães”.
Quanto aos angolanos, aos outros angolanos, citando de novo Kundi Paihama, que comam farelo porque “os porcos também comem e não morrem”.
Embora seja um exercício suicida, importa aos vivos não se calarem, continuando a denunciar as injustiças, para que Angola possa um dia ser diferente, ser de todos os angolanos.
“O Povo sofre e passa fome. Os países valem pelas pessoas e não pelos diamantes, petróleo e outras riquezas”, disse – nunca nos cansaremos de o citar – Frei João Domingos, numa pregação certamente só ouvida pelos peixes ou pelas welwitschia mirabilis.
Mas, como diria o camarada Eduardo dos Santos, a luta continua. Tem de continuar. Aqui estamos, aqui estaremos. De pé perante os homens (por muito armados que estejam), eventualmente de joelhos perante Deus e nunca perante o seu suposto representante no nosso país.